Profissionais de saúde e agentes de segurança devem ter prioridade em testes para Covid-19; entenda
OMS recomenda prioridade. Risco de transmitir doença a pacientes e perda desnecessária da força de trabalho são fatores importantes. Hospitais em SP já tiveram de afastar mais de 500 funcionários.
Por Lara Pinheiro, G1
31 de março: Profissionais de saúde empurram maca de paciente em Lausanne, na Suíça, em meio à pandemia de Covid-19. — Foto: Laurent Gillieron/Pool via Reuters
Apenas nos últimos dois dias, três hospitais de São Paulo anunciaram o afastamento de pelo menos 530 funcionários por suspeita ou confirmação de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. A situação reforça, na visão de especialistas ouvidos pelo G1, a necessidade de que os profissionais que trabalham em hospitais devam ter prioridade nos testes diagnósticos.
“Não tenho a menor dúvida [de que devem ser priorizados]. Primeiro, porque é uma força de trabalho importantíssima, que precisa cuidar de pessoas, e cuidar de pessoas significa que eles não podem representar risco para essas pessoas”, avalia o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, da USP.
O problema, segundo Suleiman, é que os testes não estão sendo feitos em quantidade suficiente nem nesses profissionais. “Que há dificuldade de acesso para o teste é fato. Mas tem que ter uma prioridade para que essas pessoas pelo menos saibam se elas podem ou não cuidar de outras. Esse é o ponto principal”, pondera.
Suleiman destaca que a prioridade deve ser não somente para os profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, mas, também, para os seguranças e as equipes de limpeza de hospitais.
“São todos. Circulo pelo hospital e meu olhar é menos em relação a médicos e mais em relação a essas pessoas – que, apesar de trabalharem em hospitais, não estão familiarizadas com isso. As pessoas que fazem a higienização dos espaços – o meu olhar é voltado predominantemente para essas pessoas, porque são vulneráveis, têm o domínio técnico mais precário da importância da proteção, e acabam ficando vulneráveis. E, se faltarem, são tão importantes quanto médico, quanto enfermeiro. Sem a presença deles, não tem limpeza, eu não posso usar a sala”, lembra.
Ele defende que quem trabalha nessas áreas, que chama de “críticas e essenciais”, tem que ter acesso aos exames de maneira rápida. Se isso for feito, explica, no cenário atual, de crise, as pessoas que têm sintomas semelhantes aos da Covid-19 mas que não têm a doença poderiam continuar trabalhando – tornando desnecessário o afastamento delas por 14 dias e a perda da força de trabalho.
Por outro lado, argumenta a infectologista Anna Sara Levin, chefe da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas (HC) da USP, “o profissional de saúde está acostumado a trabalhar independente do que ele sente. A gente não pode ter mais isso, porque pode ser Covid. É importante, para nós, dar apoio aos profissionais de saúde, que vão cuidar de outras pessoas e que se sentem expostos”, avalia.
A médica também lembra que, apesar dos afastamentos, os profissionais são substituídos por outros, tanto nas equipes de saúde como em outros serviços, como a limpeza.
“O que está ocorrendo é que você afasta esse servidor e não tem a resposta”, avalia Jamal Suleiman. Se a pessoa em questão tiver um resfriado, por exemplo, um afastamento por tempo menor, de 5 ou 7 dias, seria suficiente, explica o infectologista. “Mas como não tem teste e o período [de isolamento] para a Covid são 14 dias, vencem os 14 dias e eu nem sei se a pessoa teve ou não”, lamenta.
Segundo orientações de entidades internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), em locais onde há transmissão comunitária da doença, como o Brasil, a prioridade nos testes deve ser dada a pacientes vulneráveis e a profissionais de saúde. O CDC, equivalente da Anvisa nos Estados Unidos, também recomenda priorizar profissionais de saúde nos diagnósticos.
Para tentar resolver o problema da falta de diagnósticos, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 5 milhões de testes rápidos para a Covid-19, que deverão ser usados, com prioridade, em profissionais de saúde e também em agentes públicos de segurança, como policiais, bombeiros e guardas civis. Na segunda-feira (30), chegaram ao país as primeiras 500 mil unidades, segundo a pasta.
Os testes, entretanto, não servem para detectar a infecção pelo novo coronavírus logo no início, como os do tipo PCR. Eles conseguem, entre o sétimo e o décimo dia da infecção, mostrar anticorpos criados pela sistema de defesa do organismo contra o vírus.
“Esse teste vai ser fundamental para a gente saber se aquela enfermeira, aquele médico ou o profissional de segurança, que teve uma gripe ou que está com uma gripe, testou positivo para coronavírus. Se sim, vamos tratar de um jeito. Se não, poderá retornar ao trabalho”, esclareceu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
O sentido dos testes rápidos, explica Suleiman, é que, se a pessoa teve um sintoma respiratório leve, é preciso saber se ela já teve Covid-19 e produziu anticorpos para a doença. “Se produziu anticorpos, você vai para a frente de batalha e vai tocar o barco. Se não foi, você redobra o cuidado para continuar sem se contaminar”, diz.
Cientistas ao redor do mundo vêm tentando descobrir se é possível pegar a Covid-19 mais de uma vez, mas ainda não há uma conclusão sobre o assunto.
No HC, segundo Levin, não faltam testes para os profissionais de saúde – eles passam pelo exame do tipo PCR, que detecta o genoma do vírus no corpo e não os anticorpos produzidos pela pessoa, que levam um tempo para surgir. Por isso, o PCR pode ser feito já no terceiro dia da infecção.
“Desde o começo estamos dando prioridade”, afirma Levin. “Tanto porque o profissional se expõe e tem que ser bem cuidado como por causa da possibilidade de transmitir para os pacientes”.
Hospital das Clínicas da USP — Foto: Banco de Imagens do HCFMUSP — Foto: Banco de Imagens do HCFMUSP
A política do HC, segundo a médica, é de que qualquer profissional de saúde que tenha sintomas respiratórios seja avaliado pelo médico no mesmo dia, e, então, receba uma licença de três dias.
“O teste [PCR] tem muito falso negativo antes de 3 dias. Daí ele volta e, se não tiver sintomas, volta a trabalhar. Se ainda tiver, faz o teste e fica afastado até sair o resultado: se for positivo, afasta mais um tempo. Se for negativo e ele ficar melhor, volta ao trabalho”, explica Levin, acrescentando que todos os profissionais afastados do hospital até agora têm quadros leves e que todos foram contaminados fora do HC.
O G1 perguntou ao hospital se funcionários de outras áreas, como da limpeza e da segurança, também estão sendo priorizados nos testes. A assessoria informou que checaria a informação, mas, até a publicação desta reportagem, ainda não havia dado retorno.
Agentes de segurança
31 de março: policial anota informações de trabalhadores migrantes que foram transferidos para abrigo durante quarentena nacional de 21 dias decretada pelo governo, em Ahmedabad, na Índia. — Foto: Amit Dave/Reuters
Para Jamal Suleiman, além dos funcionários de hospitais, também devem ser priorizados os agentes de segurança pública, conforme anunciado pelo Ministério da Saúde. A pasta considerou que essas pessoas, assim como os profissionais de saúde, têm atividades consideradas essenciais.
“Sem eles, os agentes, a gente não consegue trabalhar. Essa epidemia vai mostrar de novo para todo mundo que não somos ilhas. Um depende do outro no trabalho”, avalia o médico.
Ele relata o caso, recente, de um bombeiro cuja filha atendeu e que foi diagnosticada com pneumonia. Por não conseguir testar nem o pai, nem a filha, precisou afastar os dois por precaução, apesar de o bombeiro não ter sintomas. Essas situações podem fazer com que a mesma pessoa seja, inclusive, afastada mais de uma vez – a primeira por motivos familiares, por exemplo, e uma eventual segunda pelos próprios sintomas, lembra o infectologista.
“A gente já sabia que as pessoas iam ficar pelo meio do caminho. É uma onda. Quando você tem 100 pessoas, hoje você afasta 5 – ficam 14 dias. Amanhã, mais 10 por 14 dias. Fica um hiato grande sem força de trabalho”, explica o médico.
A falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) para os profissionais de saúde é outro fator que aumenta as chances de contágio para os que estão no combate à pandemia. No domingo (29), o Fantástico mostrou que as denúncias de falta desses materiais passam de 4 mil.
Profissionais de saúde relatam falta de equipamentos de proteção; denúncias passam de 4mil
“Tenho dito: não quero ser herói, não quero que ninguém seja herói – quero fazer o meu trabalho”, diz Suleiman. “Mas tem uma coisa que move quem trabalha. Você precisa ter esse material –mas, se falta um deles, você não deixa de trabalhar”, explica o médico.
“Não comprem máscara para ficar desfilando em supermercado. Está faltando em estruturas hospitalares. Eu fico vulnerável e você fica desfilando no mercado? Você está protegendo quem?”, questiona.
Do Bem Estar/G1