Por que buscar ajustes para o ensino farmacêutico
Por: Walter Jorge João, presidente do CFF
Fonte: CFF
Artigo do presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João.
Farmacêuticos de todo o Brasil, entre coordenadores de cursos de Farmácia, professores, especialistas em ensino (brasileiros e de outros países), profissionais, estudantes e lideranças do segmento iniciaram, na quarta-feira (10.06.15), em Salvador (BA), um amplo debate sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o curso de graduação em Farmácia. Eles participam do Congresso Brasileiro de Educação Farmacêutica (COBEF), que se encerrará, nesta sexta-feira.
O COBEF está reverberando a reivindicação de grande parte dos envolvidos com o ensino farmacêutico, no sentido de que se promova um ajuste nas Diretrizes, de modo a que estas acolham as novas realidades sanitária e socioeconômica brasileiras. O ajuste, eu ressalto, é algo natural, compreensível e até previsível, entendendo-se que a profissão farmacêutica é sensível demais às ultrarrápidas transformações pelas quais passam a sociedade, a saúde e o mercado empregador.
Quando, há 15 anos, nós nos reunimos para discutir – democraticamente, ressalte-se – mudanças no ensino farmacêutico, era de se esperar que elas não fossem mesmo parte de um processo inflexível, engessado. Teriam, quando preciso, que se submeter a novos debates. As mudanças que discutimos, lá atrás, derivaram na construção de uma proposta de Diretrizes Curriculares que foi acolhida, aprovada e editada, em 2002, pelo Conselho Federal de Educação.
Agora – e já não era sem tempo -, estamos todos, novamente, reunidos em torno de um debate sobre o ensino. Os especialistas defendem que o debate deva ser conduzido à luz dos novos contextos sociais e de saúde do País. Do contrário, eles observam, o ensino corre o risco de entrar em descompasso com o que nos rodeia: uma realidade marcada por novos hábitos de vida (sedentarismo, por exemplo), pelo estresse, pelo envelhecimento da população, situações que podem ter relação com a obesidade, com o surgimento ou o recrudescimento de doenças crônicas e degenerativas, como a hipertensão arterial e o diabetes. Isto, só para citar um pouco do quadro que contém as tintas da realidade atual.
Esta realidade clama pela urgente intervenção do farmacêutico com os seus cuidados junto aos portadores destas e de outras doenças. Prestar cuidados é agir com responsabilidade social. Somos desafiados a oferecer serviços de saúde com qualidade a uma população socialmente desigual e complexa. A demanda encontra-se principalmente no SUS (Sistema Único de Saúde), responsável pelo atendimento de 180 milhões de pessoas e que abrange, do mais simples atendimento ambulatorial ao transplante de órgãos. Grande demanda, também, está nas farmácias e drogarias. Vale lembrar a expectativa positiva criada em torno dos efeitos da Lei 13.021/14 sobre a atividade profissional e mudanças que ela determina para os estabelecimentos comunitários.
Os desafios podem estar relacionados a episódios endêmicos, mas não podemos ser tomados de surpresa por eles. Em Brasília, superbactérias estão matando pacientes em hospitais da rede pública de saúde. Documento produzido pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal aponta contaminações por Klebsiella pneumoniae multirresistente (KPC), Acinetobacter baumanii, Pseudomonas aeruginosa, Serratia sp e Staphyllococus aureus, entre outras.
O Secretário de Saúde do DF, João Batista de Sousa, anunciou, na terça-feira (09.06.15) um plano de combate ao avanço de infecções por superbactérias. Faz parte do plano a atuação de farmacêuticos, nos hospitais e unidades de saúde, realizando o controle de antimicrobianos, evitando o uso indiscriminado dos mesmos.
“Vamos colocar o farmacêutico clínico dentro das enfermarias, junto com as equipes, para realizar esse cuidado, que é muito importante, com relação ao uso correto dos antimicrobianos, à diluição correta, à dosagem correta e à aplicação, no momento correto”, explicou o Secretário de Saúde. Os farmacêuticos, sempre, deveriam estar, aí. E as autoridades sabem que podem contar com os farmacêuticos. E eles farão a diferença. Temos certeza disto.
Falar em farmacêuticos atuando, em hospitais, a Lei 13.021-14, em seu artigo 8º, determina que a dispensação de medicamentos, em unidades hospitalares ou similares, segue o mesmo procedimento a ser adotado pelas farmácias e drogarias. Noutras palavras, toda unidade de dispensação de medicamentos, em hospitais, está obrigada a manter o farmacêutico prestando assistência, independente do porte dessa unidade.
Caros leitores, portanto, há pela frente um mercado empregador cada vez mais exigente e que cobra a atuação de farmacêuticos conectados às questões sanitárias, socioeconômicas e a todo o contexto produtivo. Os debates que se iniciaram, no COBEF, portanto, não podem passar ao largo desta realidade.
A defesa de mais formação na área clínica por parte de muitos dos atores do ensino ganha mais adeptos, sob a argumentação de que o conhecimento nessa área, com toda a complexidade que ela exige, é fundamental para o enfrentamento de problemas de saúde autolimitados; para a realização dos procedimentos de apoio, como a aferição da pressão arterial e monitoramento das taxas de glicose; para a prescrição e para a orientação sobre o uso correto e racional do medicamento. Enfim, para a promoção da saúde.
Não é só. Especialistas em ensino farmacêutico reivindicam que a pauta dos debates sobre as Diretrizes inclua, também, o reforço na formação em análises clínicas. Eles entendem que a área sofreu um enfraquecimento com a formação generalista. E a atuação clínica do farmacêutico busca fundamentos justamente na interpretação dos resultados das análises clínicas e em sua utilização como parâmetro de monitorização da farmacoterapia.
Mas para assumir os desafios que lhes são impostos, os farmacêuticos terão que se qualificar exatamente no nascedouro de sua formação: a graduação. É onde o futuro farmacêutico deverá tomar conhecimento do Brasil real, sabendo que ele (o farmacêutico) é estratégico na detecção, prevenção e acompanhamento do tratamento de doenças, como o diabetes, e na promoção da saúde. E que o seu papel como educador sanitário é decisivo para mudar os hábitos e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Mas é preciso serenidade, lucidez e iluminação neste processo de discussão, para que as Diretrizes não sejam demonizadas. Elas trouxeram um moderno pensamento ao ensino farmacêutico, conduzindo o humanismo para o centro do mesmo. O humanismo é para ser buscado, permanentemente, como uma conquista de primeira grandeza. Nós, farmacêuticos, que prestamos cuidados em saúde, precisamos trazê-lo numa mão e, na outra mão, a técnica e as ciências, dentro de uma relação de equilíbrio e de compatibilidade entre eles.
Lembro que a Medicina, em 2014, debateu e conseguiu junto ao MEC instituir novas Diretrizes. Portanto, promovamos as mudanças, se estas forem da vontade da maioria. As Diretrizes Curriculares para o ensino farmacêutico nasceram como um fruto da liberdade e da democracia. Que elas não percam o viés libertário. Mesmo porque a educação é o caminho mais seguro para a liberdade e para a transformação social.