Pesquisador fala sobre o uso de medicamentos durante a pandemia do novo coronavírus
Sem nenhum medicamento especialmente desenvolvido para o tratamento contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), pesquisadores estão tentando descobrir um medicamento mais adequado para se tratar essa nova doença.
Os pacientes em situações graves que estão internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), têm sido tratados de formas experimentais com medicamentos off-label. Isso significa que o seu uso se difere do que consta na bula, e entram nessa classificação tanto ivermectina, quanto a azitromicina que são os medicamentos que estão em uso com o novo protocolo.
Para falarmos mais a respeito, o Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso (CRF-MT) entrevistou o professor e doutor, Domingos Tabajara de Oliveira Martins.
Ele nasceu em 1957, no sertão de Sítios Novos, distrito de Caucaia, Ceará. Possui graduação em Farmácia (1978) e habilitação em Bioquímica pela Universidade Federal do Ceará (UFC, 1979), especialização em Fisiologia pela UFC (1981) e em Farmacologia de Produtos Naturais pela Escola Paulista de Medicina (EPM, 1985), mestrado em Farmacologia pela UFC (1982) e doutorado em Ciências, Área de Biologia Molecular, pela EPM (1990).
É professor de Farmacologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) desde 1984 e titular concursado desde 2005. É pesquisador PQ-1D do CNPq. Atua no ensino de graduação e pós-graduação em Farmacologia, com ênfases em Farmacologia de Produtos Naturais e Farmacoepidemiologia, nas linhas de pesquisa: etnofarmacologia, toxicologia, atividade anti-inflamatória, antiúlcera, antimicrobiana, cicatrizante de feridas, antitumoral, abuso de drogas e mercado de medicamentos.
É pioneiro na implantação da pesquisa experimental biomédica e de cursos de Mestrado e Doutorado na Área de Saúde, em Mato Grosso. Por seus relevantes trabalhos prestados ao ensino, pesquisa, extensão e gestão nas áreas de educação e saúde de Mato Grosso, recebeu várias homenagens, com destaques para os títulos de Cidadão Cuiabano (2006), Cidadão Mato-Grossense (2008) e a Comenda do Mérito Farmacêutico (2014).
Diante da urgência em encontrar uma vacina para tratar o Sars-Cov-2 (Covid-19), sabemos que muitos médicos estão utilizando vários protocolos. O mais recente é a utilização da Ivermectina e Azitromicina. Como o Senhor avalia esse protocolo?
A única comprovação científica sobre o potencial de atividade da ivermectina contra SARS-CoV-2, advém de estudos in vitro, em células Vero-hSLAM (de rins de macaco) infectadas pelo SARS-COV-2, onde mostrou-se ativa na concentração de 5 µM (5.000 nmol/L), em 48 h de exposição. Há um problema farmacocinético a ser resolvido. Com doses habituais de 6 mg/30 kg nunca se alcançará a uma concentração máxima de 5.000 nmol/L na corrente sanguínea de pacientes. Se for ministrado 12 mg de ivermectina a um paciente de 60 kg, a Cmax alcançada será de 34,7 nmol/L, cerca de 144 vezes menor que a concentração sanguínea necessária para inibir 98% da replicação viral. Desse modo, são necessários estudos pré-clínicos em animais e, se tudo for bem, do ponto de vista da eficácia e segurança em animais infectados com SARS-COV-2, passa-se à espécie humana, fase final e decisória para que um medicamento seja comercializado. Até o presente, não há estudos clínicos bem controlados comprovando sua eficácia em humanos com COVID-19.
A azitromicina é um antibiótico macrolídeo, bacteriostático, de amplo espectro, usada frequentemente para infecções respiratórias ou sexualmente transmissíveis. Portanto, é utilizada para evitar ou combater infecções secundárias à infecção pelo vírus SARS-CoV-2.
O tratamento, até o momento, da COVID-19, é sintomático e baseado em protocolos de suporte à vida, tais como medidas farmacológicas (coquetel de fármacos, desde antimaláricos até anticoagulantes) e físicas (ex. respiradores), já que não há nenhum fármaco comprovadamente ativo contra o SARS-CoV-2.
A ivermectina age inibindo a replicação do vírus causador da COVID-19 (SARS-CoV-2) in vitro?
Não foi demonstrado ainda de como se dá o mecanismo de ação antiviral da ivermectina frente ao SARS-CoV-2. Especula-se que a inibição da replicação viral se dê pela inibição do transporte de proteínas virais para dentro e fora do núcleo celular mediado pelas importinas α/β1.
Existe algum estudo farmacológico in vivo em animais utilizando a Ivermectina em modelo de Covid-19?
Ainda não há resultados publicados na literatura sobre ensaios de ivermectina em animais infectados por SARS-CoV-2. Por se tratar de droga cuja eficácia e toxicidade já se conhecem para outras patologias (ex. parasitoses intestinais), os ensaios estão sendo feito diretamente em humanos, sem se conhecer a relação existente entre ivermectina e a doença COVID-19.
Existe correlação entre as doses utilizadas nos ensaios in vitro para uso humano de drogas antimicrobianas? Ou na prática não existe isso é por que? É possível fazer alguma relação entre essas doses in vitro com in vivo?
Pode-se usar a dose NOAEL (aquela em que não se observam efeitos adversos nos animais em estudos de toxicidade de doses repetidas, em cães, preferencialmente) para se determinar a dose equivalente humana, levando-se em conta a superfície corporal das espécies humana e animal, através de uma fórmula simples.
Se conhecermos a concentração inibitória 50% (CI50) de uma determinada substância em uma determinada célula, em ensaio in vitro, pode-se determinar a dose inicial para o teste de toxicidade aguda oral em animais e daí a dose NOAEL em estudos de toxicidade de doses repetidas (subcrônico ou crônico) em animais e, sua posterior extrapolação à espécie humana para testes clínicos.
Também se soubermos a concentração de uma dada substância que impede a replicação viral in vitro e conhecendo-se a Cmáx sanguínea desta para um determinado efeito (já conhecido), pode-se saber a viabilidade de uso off label, desta droga.
Na sua opinião, os medicamentos em uso para tratamento precoce dos sintomas do Covid-19 teriam efeito de sinergismo, de adição ou de potencialização?
Não sabemos sequer o efeito destes, isoladamente na COVID-19, quanto mais as interações entre estes.
O senhor acredita que esses medicamentos em uso são eficazes para tratar a Covid-19?
Pode-se falar que alguns são potenciais fármacos, mas daí para acreditar que são eficazes e seguros em humanos acometidos de COVID-19, há um longo caminho a percorrer.
Quanto tempo a indústria farmacêutica leva para desenvolver um novo medicamento?
Hoje o custo para a disponibilização de um novo medicamento no mercado varia de cerca de 2,0-2,6 bilhões de dólares, caso seja de origem sintética, levando de 10-12 anos. No caso do medicamento ser de origem natural e ter uma base etnofarmacológica, esse tempo cai para 6-8 anos e o custo não atinge 200 milhões de dólares.
Na sua opinião, o uso off label de um medicamento tem qual finalidade? Quais as vantagens e desvantagens dessa utilização?
A finalidade é encurtar caminho, economizar tempo e dinheiro e disponibilizar mais rapidamente um medicamento à população, especialmente em situações de urgência, como no caso dessa pandemia. A desvantagem é que dificilmente será efetivo para aquela patologia, visto que não foi desenvolvido para tal. Um resultado imediato desse uso, é a venda exacerbada de determinadas classes farmacológicas sem sequer saber se são eficazes e seguras, o que eleva sobremaneira o preço destes produtos, podendo inclusive vir a esgotar seus estoques e prejudicar pacientes que dependam do uso “não off label “ (convencional) destes medicamentos. Além disso, se prioriza o estudo de substâncias já conhecidas há tempos, com mecanismos já conhecidos, deixando de incentivar as pesquisas de vários princípios ativos ou fitocomplexos existentes nas prateleiras de diversos laboratórios de países ricos em biodiversidade e com pessoas capacitadas para tais estudos, onde o Brasil desponta e, mais uma vez, deixa esta oportunidade passar.
Qual a melhor opção ou caminho para a descoberta de um novo medicamento para a Covid-19?
A melhor opção será sempre desenvolver um medicamento para atuar em alvos específicos do SARS-CoV-2, passando pelas etapas de pesquisa e desenvolvimento já conhecidas e aceitas pela comunidade científica (pré-clínica e clínica), visto que, em virtude da pandemia, estas foram quebradas. Melhor ainda que desenvolver um medicamento, será desenvolver uma vacina eficaz e segura contra COVID-19.
No Brasil, existem laboratórios de pesquisas que estão estudando novas opções terapêuticas contra o vírus da Covid-19? Se sim, quem são esses laboratórios?
Tudo é muito novo, então o CNPq e a CAPES abriram em maio de 2020, em caráter de urgência, editais para financiar projetos de pesquisa voltados ao desenvolvimento de vacinas e medicamentos para a COVID-19, além de outras áreas de interesse. No entanto, poucos projetos foram aprovados (100 no CNPq e 69 na CAPES), sendo que pouquíssimos para pesquisa de novos fármacos, optando mais em pesquisas que estavam em andamento, especialmente as de reposicionamento de fármacos para COVID-19. Apesar de haver uma certa distribuição, como esperado, a maioria dos projetos aprovados concentrou-se no Sudeste, notadamente em São Paulo. O Brasil precisa resolver, de vez, a implantação das Boas Práticas de Laboratório em suas Universidades e Instituições de Pesquisa, além de possibilitar condições de biossegurança nos laboratórios, unidades de farmacologia clínica e hospitais, para que possam manipular vírus e outros materiais perigosos e assim participarem e desenvolverem pesquisas como as com o vírus da COVID-19.