Artigo – Uso abusivo de psicotrópicos na atualidade
*Francieli Delfino Mota
Assuntos cada vez mais recorrentes nos dias atuais. Transtornos mentais como depressão, chamado de “mal do século XXI” vêm provocando inúmeras dificuldades na sociedade contemporânea, pois já se tornou um problema de saúde pública e vem influenciando diretamente no bem-estar mental, refletindo na qualidade e modo de viver, se socializar, e também no modo de produção de cada indivíduo.
Analisando historicamente nossos costumes de vida, nos deparamos com uma evolução assombrosa e extremamente rápida onde tivemos de nos readaptar as mudanças climáticas, biológica (avanço de doenças), tecnológica e industrial que nos foram impostas. Devemos produzir mais, num curto período de tempo, gerando lucro desenfreado, onde nosso lazer e autocuidado acabam ficando em segundo plano. Tal metamorfose pode estar relacionada ao aparecimento de sintomas como os citados no início do texto. Desta forma, o uso de medicamentos psicotrópicos – aquele criado para tratar o sofrimento psíquico, tornou-se algo muito comum na sociedade moderna, sendo ele realizado através de acompanhamento médico e psicoterapêutico, bem como de forma indiscriminada e abusiva.
E como se define saúde mental? De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS): “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade.” O cenário vem se apresentando crítico há alguns anos. Estudos publicados pela OMS apontavam, que em 2017, a depressão já era considerada uma epidemia mundial. O Brasil ocupava o ranking de 2° lugar por transtornos de saúde mental, perdendo apenas para os EUA, de acordo com o Ministério da Saúde.
Outro fato importante a ser citado é o aumento no índice de suicídio, numa escala de 100 mil pessoas por essa causa mortis, nas Américas, segundo a Organização Panamericana da Saúde.
A busca pela tão sonhada saúde mental e bem-estar psíquico tornou-se muito presente na atualidade e o leque de opções de psicofármacos (substâncias que atuam no Sistema Nervoso Central – SNC, afetando diretamente humor, comportamento e cognição) tornou-se algo quase que obrigatório para a humanidade, pois vivemos num período em que somos exigidos para “dar conta de tudo, sem ter o direito de sofrer, e ainda ter de realizar tudo isso com um sorriso no rosto”. Assim, a maneira mais fácil e rápida encontrada para conseguir suprir tais necessidades é a utilização de medicamentos que controlam nossas emoções e nos permitem seguir em frente.
Concomitante a isso, a elevada prescrição de fármacos psicoativos provocou sua popularização e um aumento significativo por sua procura, dispensação e consumo, mesmo entre os mais jovens e principalmente entre os profissionais da saúde. Atrelado a tais fatores, torna-se cada vez mais necessário tratar desse assunto, esclarecendo dúvidas e orientando sobre seu uso correto e seguro, bem como o que podem provocar no organismo.
Dentre os mais prescritos, encontram-se os antidepressivos (de acordo com a OMS, em 6 anos houve um aumento de 74% na aquisição desta classe de medicamentos no Brasil), e também dos ansiolíticos (3º mais vendido). O mecanismo de ação destes fármacos se resume basicamente na liberação de neurotransmissores que provocam sensação de bem-estar e satisfação ao indivíduo.
Com o advindo do novo Coronavírus, a explosão dos transtornos mentais foi ainda maior. Desta vez, existindo um motivo “real” e visível aos olhos daqueles que tratavam com estigma qualquer doença de cunho emocional/mental, encarando-a muitas vezes com preconceito e negligência, tiveram de assumir que a saúde e bem-estar mental devem ser considerados tanto quanto a saúde física.
Para controle, os psicofármacos são regulamentados pela Portaria 344/98 MS, como substâncias entorpecentes e sua venda só é permitida através da apresentação de receituário e controle especial devidamente preenchido, o que de certa forma obriga o paciente a procurar um serviço médico especializado para realizar a prescrição, a priori. Porém, mesmo com este mecanismo de segurança, o que se vê nos balcões de drogaria é a busca cada vez mais constante por substâncias psicotrópicas, com ou sem apresentação de receita e um desespero para conseguir tal medicamento, como se ele fosse a resolução de todos os males. Neste caso, o papel do prescritor e do farmacêutico são de fundamental importância, pois cabem a eles orientar sobre os riscos provocados, efeitos adversos e possível dependência.
Infelizmente sabemos que a comercialização dessas drogas, mesmo sendo controladas pela ANVISA pode ser realizada de forma ilícita, o que proporciona o aumento da automedicação e consequentemente dos riscos ao paciente, pois este não receberá a devida orientação quanto ao uso correto do medicamento.
Como todo fármaco, os psicotrópicos possuem efeitos adversos que podem causar danos ao organismo, conclui-se então que sua popularização é um fator perigoso. Os efeitos adversos gerais e permissivos, descritos em bula incluem: boca seca, tontura, sonolência excessiva, perda da atenção, diminuição da libido, perda de memória, dentre outros.
Quanto ao uso abusivo, estes sintomas podem ser potencializados e provocar maiores prejuízos ao indivíduo, por isso é tão necessário o uso consciente dessas substâncias e o devido acompanhamento com o profissional habilitado para realizar o esquema terapêutico correto, de forma individualizada, de acordo com o perfil do paciente.
De modo geral, a procura por substâncias psicoativas está diretamente entrelaçada a problemas emocionais, que acarretam em sintomas como ansiedade, insônia e depressão mais comumente, mas também pode estar relacionada a problemas mais complexos e até genéticos, como síndromes e psicoses. De acordo com estudos, as mulheres aparecem em maior número quando se trata da utilização de medicamentos de controle especial em relação aos homens, e a faixa etária predominante é de 18 a 40 anos.
Estes medicamentos têm como função aliviar tais sinais e sintomas, melhorando a qualidade de vida do paciente. Desta forma, seu uso racional trará os benefícios desejados. Porém, o problema que estamos enfrentando na atualidade é a banalização do uso desta classe medicamentosa, pois criou-se uma falsa ideia de que a minimização dos problemas do dia a dia pode ser resolvida com comprimidos que nos proporcionam soluções e felicidade imediatas. A indústria farmacêutica, que investe na produção de novas gerações de antidepressivos, ansiolíticos e outros contribui para o aumento das prescrições e uso exacerbado deste grupo farmacológico, logo, acaba influenciando toda uma geração que dos anos 60 pra cá tornou como corriqueiro o abuso de tais substâncias. Os médicos têm um papel importante neste contexto também, pois são quem fazem o diagnóstico do paciente, portanto, devem se atentar aos sinais e comportamentos para evitar equívocos, erros e uma prescrição inadequada.
A partir do momento que se inicia um tratamento com drogas psicoativas, deve-se redobrar o cuidado em muitos aspectos e modificar certos hábitos, como por exemplo, a ingestão de bebidas alcoólicas, que se utilizada concomitante a administração desses medicamentos podem agravar alguns sintomas já existentes, como a intensificação da depressão no SNC ou o excesso de euforia.
A orientação é para que o tratamento tenha início, meio e fim, devendo ser acompanhado por visitas regulares ao médico, análise de reações adversas e comportamentais do paciente para que se houver necessidade de ajuste de dose, seja realizada e orientada. Entretanto, o que ocorre hoje é uma renovação automática dos receituários, possibilitando que o paciente compre medicamentos sem que passe por nova consulta, o que acarreta um uso contínuo e abusivo, por tempo indeterminado e além do necessário.
Já é sabido que o uso prolongado de psicotrópicos pode levar à dependência química, e que seu uso trata especificamente uma patologia, porém, pode acarretar outras. Mesmo sendo comumente utilizados e constantemente estudados, seus efeitos sobre o SNC ainda não são completamente conhecidos, o que corrobora mais uma vez uma atenção especial ao consumo dessas substâncias.
Uma das possíveis soluções é que o ser humano possa reconhecer seus limites e consiga aprender a controlar seus sintomas, olhando para si. O uso de psicotrópicos tem ajudado muito no sofrimento psíquico, mas deve-se lembrar de que este é um mecanismo externo e que deve ser temporário quando se trata de casos adquiridos ao longo da vida, como algumas patologias, diferentemente de outras que acompanham o indivíduo desde o nascimento. Desta forma, cada um deve buscar aquilo que pode amenizar seu sofrimento, angústia e ânsia em possibilidades alternativas como a arte, música, terapias e atividade física, dentre outras coisas que podem levar ao prazer, satisfação e bem-estar, um conjunto de elementos que, atrelado ao uso racional do medicamento levará ao sucesso pessoal e emocional.
*Francieli Delfino Mota é Farmacêutica Generalista, pós-graduada em Gestão em Saúde Pública e Políticas Sociais, Residente em Gestão Hospitalar para o SUS pelo Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT/Ebserh e Supervisora de Farmácia Hospitalar do Hospital Geral e Maternidade Femina, em Cuiabá-MT.