Congresso da Fenafar debate a relação entre educação e trabalho
Por: Luiz Perlato
Fonte: CRF-MT
O 8º Congresso da Fenafar teve um debate específico sobre Trabalho e Educação – O trabalho como centro no processo de Formação profissional. A presidente da Escola Nacional dos Farmacêuticos, Silvana Nair Leite, apresentou dados que constam do Caderno de Debates do 8º Congresso sobre o tema e disse que “certamente todo esse cenário apresentado impõe grandes desafios”.
O coordenador nacional da Associação Brasileira de Ensino Farmacêutico (ABEF), Paulo Arraes, foi o primeiro palestrante. Ele destacou que a atuação de um profissional está intrinsicamente relacionada com a sua formação, e que as mudanças no sentido de se melhorar a formação curricular é um desafio e, acima de tudo, um compromisso que os profissionais farmacêuticos têm com a sociedade.
“Qual o farmacêutico do Século XXI que nós queremos para atuar na saúde pública, em prol do cuidado integral à saúde do indivíduo, da família e da comunidade? As diretrizes curriculares devem promover uma melhor formação do farmacêutico. As universidades devem se abrir mais ao diálogo, e os sindicatos são importantes nesse processo”, pontuou o palestrante.
Em sua fala, ele fez um histórico da atuação do farmacêutico, mostrando a tragetória da profissão farmacêutica no Brasil, e destacou que o farmacêutico do Século XXI encontra dificuldades. “Com a reforma sanitária e a instituição do SUS, a gente percebeu um novo horizonte para o farmacêutico, com a possibilidade de uma nova identidade, mas o profissional muitas vezes não tem o preparo necessário para essas práticas profissionais, porque simplesmente ele não teve a oportunidade de aprender como fazer isso, e então a Associação Brasileira de Educação Farmacêutica e outras entidades têm promovido ações para atacar estas questões”.
Entre os pontos críticos das políticas educacionais, Paulo Arrais citou a abertura excessiva de cursos e a sua distribuição inadequada pelo país, a dificuldade de harmonização da formação e limitação das políticas integrativas. Mencionou, também, a formação essencialmente tecnicista, as dificuldades de execução de uma matriz curricular, e do currículo, a falta de interação entre a teoria e a prática, além da precarização dos recursos humanos.
A questão da metodologia de ensino, por exemplo, necessita, segundo ele, de uma reavaliação. Falta capacitação profissional para a docência e, ao mesmo tempo, existe um excessivo número de alunos por turmas, além de outros problemas.
“Se somarmos todas essas dificuldades apontadas, e levando em conta também os vários problemas brasileiros, a gente já vai pensando um pouco na condição do farmacêutico atual e sua formação. Precisamos de uma formação com qualidade. Temos que preparar o profissional farmacêutico para o desempenho das atividades voltadas para a saúde”, assinalou ele.
Segundo Arrais, também é preciso divulgar mais o papel do farmacêutico, para que a sociedade o valorize mais e, para isso, os profissionais devem buscar mais espaço na mídia.
Perspectivas
Para o diretor de Gestão da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Alexandre Medeiro, algo muito importante para o profissional farmacêutico é ter consciência das perspectivas. Em sua palestra, ele falou sobre os desafios para a saúde no Brasil e destacou que o conhecimento das perspectivas é uma forma de melhorar as condições de trabalho.
Um dos fatores relevantes, segundo ele, é o processo de envelhecimento. “A sociedade precisa se preparar para isso, e, dentro da perspectiva do farmacêutico, o profissional tem que estar preparado para trabalhar levando em consideração as mudanças no perfil etário da população”, pontuou ele.
Além disso, o palestrante mencionou os problemas quanto às doenças infecciosas e os desafios para a educação na saúde. Para um reflexo imediato, segundo ele, é preciso sobretudo melhorar as condições de trabalho do profissional farmacêutico. “Para se ter uma educação de qualidade é preciso integrar o mundo do trabalho ao mundo da educação”, recomendou Alexandre.
Transformações
Em sua fala, a pesquisadora e professora do Departamento de Saúde Coletiva e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UNB Magda Scherer destacou que a primeira questão que precisa ser estudada é o trabalho. O que está mudando, que impacto as transformações tecnológicas vão ter na formação profissional, o que é preciso conhecer e quem participa do processo, bem como que formação desenvolver. Fazendo isso, segundo ela, é possível compreender o trabalho para transformá-lo.
“Como o trabalho produz a sociedade em que vivemos? O trabalho é produto da história e está em constante transformação”, observou a professora, acrescentando que os conhecimentos e as relações sociais foram construídos ao longo da história, e que os saberes acumulados e transformados em normas de vida são uma conquista da humanidade.
A palestrante também frisou que o trabalho é produto da sociedade, e que a tentativa de padronizar tudo acabou fracassando, estabelecendo um rompimento da unidade entre concepção e execução. No campo farmacêutico do Sistema Único de Saúde (SUS), em que o produto é a assistência farmacêutica, ela disse que as diferenças em relação a outras categorias são grandes.
Busca de respostas
Dilemas, crises, sofrimentos, impasses relacionados às condições e formas de gestão de trabalho. O que acontece que os trabalhadores estão adoecendo? Na avaliação da professora Magda, estudos minuciosos detectaram que há uma grande distância entre o que é prescrito e aquilo que é efetivamente realizado. No trabalho há um entrecruzamento entre normas e valores construídos no âmbito macro e micro da vida, em confronto com a experiência de vida dos indivíduos e coletivos, na relação dialética com o meio, tudo ancorado num campo histórico e social.
“Tentar aprisionar as pessoas, fazer exatamente o que está prescrito, é algo impossível e não vivível. O tempo inteiro na busca de eficácia, a gente renormaliza protocolos. A distância entre o prescrito e o real pode levar a uma redefinição de protocolos importante para o trabalhador. No caso do farmacêutico, ficar exatamente no que é prescrito é impossível, porque o profissional se anula. Quanto o trabalho nos engaja e quanto ele nos custa?”, colocou a sanitarista.
Conhecer o trabalho, segundo ela, requer conhecer os sujeitos e o contexto do trabalho. “Deve-se ouvir o outro e respeitar as diferenças, e a partir das experiências individuais e coletivas, é preciso pensar em novas alternativas.”Trabalhar é gerir o conteúdo da distância entre o prescrito e o realizado, continuamente renovados”, concluiu a sanitarista.
Durante o debate, que contou com a participação de vários farmacêuticos e estudantes presentes no Congresso, algumas preocupações foram levantadas, entre as quais como garantir maior interação entre o movimento sindical e os trabalhadores farmacêuticos com as organizações e os setores acadêmicos que estão discutindo as diretrizes curriculares para os cursos de farmácia. Também, foi bastante enfatizado a necessidade de se realçar o farmacêutico como profissional do medicamento, que atua em toda a cadeia do medicamento.