Estudo questiona se antibióticos devem ser usados até o fim do tratamento
Uma análise publicada no “British Medical Journal (BMJ)” sugere que a informação de que devemos tomar antibióticos até o fim do tratamento precisa ser melhor avaliada. Há uma argumentação central que sustenta o ponto de vista dos pesquisadores — quanto maior o tempo de uso de antibióticos, maior a probabilidade das bactérias se tornarem resistentes (aquelas mais difíceis de tratar).
Na verdade, trata-se de um quebra-cabeça que a ciência está tentando entender e há muito tempo discute. Se por um lado, a interrupção precoce também pode gerar organismos resistentes; por outro, também é fato que tratamentos longos desencadeam o mesmo fenômeno.
Assim, adiantamos: não é recomendável parar de tomar antibióticos sem orientação médica. Isso é uma questão ainda em avaliação pela ciência e o artigo do BMJ faz um questionamento para pesquisas futuras.
Desse modo, a análise levanta alguns pontos para investigação: qual o tempo ótimo para parar de tomar antibióticos? Estamos prestando atenção nesse tempo? E em termos populacionais, o que o prazo de tratamento significa?
Ainda há um segundo desdobramento da análise publicada nesta quarta-feira (26). Um tratamento com antibióticos não atinge somente a bactéria que está causando a infecção — atinge a todas. Carlos Kiffer, infectologista e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), exemplifica:
“Suponhamos que você tem uma criança com infecção respiratória causada por patógenos do tipo streptococcus. Você dá o antibiótico e elimina esse micro-organismo específico. Só que, a criança, como todo mundo, possui muitas bactérias no intestino.”
“Eis que é possível que no futuro uma E.coli, que representa cerca de 80% das bactérias, pode ficar resistente e causar uma condição grave.”
A ideia do artigo do BMJ, assim, é que não basta só olhar para a bactéria-alvo, mas para todo o conjunto de bactérias existentes no organismo.
Isso em termos populacionais é ainda mais importante – já que, se as pessoas tiverem menos bactérias resistentes, menor é a probabilidade de que esses organismos se espalhem pelo mundo. Com isso, evitamos um grande problema de saúde pública: de que no futuro não haja tratamento disponível para alguns tipos de bactérias.
“A análise que o texto do BMJ faz é de extrema importância e a comunidade científica discute isso há algum tempo. Como ponto a ser discutido, é perfeito”, diz Kiffer.
Interromper o tratamento quando se sentir melhor?
Uma das sugestões da análise do BMJ é que as pessoas interrompam o tratamento quando se sentirem melhor. O infectologista da Unifesp vê com ressalva esse ponto. “E aí, eu pergunto: o que é se sentir melhor?”, questiona. “Isso não é tão simples de avaliar.” No texto, pesquisadores sugerem medir a febre. “Mas e se a pessoa não medir?”, pergunta novamente o professor.
Um outro ponto ponderado pelo infectologista é sobre o investimento em pesquisas para analisar qual tempo seria necessário para que antibióticos tratem a infecçao e não levem à resistência.
“Eu não acredito que devemos investir milhões e milhões para avaliar esse fator em todas as condições”, avalia. Para o professor, é preciso pensar em termos populacionais para evitar a resistência e focar nas infecções mais comuns, como a respiratória e a urinária, por exemplo.
Ainda, a resistência é um fenômeno complexo que não depende somente do tempo de uso de antibióticos. É preciso avaliar a carga de uso não só humano, como também o animal. Um outro ponto é sobre a dose correta. “Fiz um estudo há alguns anos mostrando que há muita administração de dose incorreta de antibiótico”, diz Kiffer.
Infecções hospitalares: um problema real
Mais do que pensar a resistência em termos individuais e futuros, um fator mais preocupante salta aos olhos de autoridades de saúde pública e da ciência: a infecção hospitalar.
“A resistência de micro-organismos em hospitais já é uma realidade.”
Em hospitais, diz o professor, a resistência já é um problema muito grave. “Dificilmente uma infecção hospitalar não terá uma característica de resistência. A chance é de quase 100%”, diz Kiffer. “Isso não quer dizer que não seja tratável, há opções, mas em alguns casos, é mais difícil.”
Assim, principalmente em hospitais, o tempo de uso de antibióticos deve ser levado em conta e investigado, avalia o infectologista.