O BRASIL NA ROTA DOS REMÉDIOS FALSIFICADOS
Fonte: IstoÉ/CFF
A estimativa é que se vendam vinte medicamentos falsos em cada lote de 100
Um relatório divulgado recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu mais um ruidoso sinal de alerta sobre a debilitada saúde do País. Segundo o documento, 19% dos remédios comercializados por aqui são ilegais. A estimativa é que se vendam vinte medicamentos falsos em cada lote de 100. Eles são vendidos em feiras, bancas de ambulantes, pela internet e, inclusive, nas farmácias. E chegam ao Brasil vindos do Paraguai, China e índia. Podem vir prontos para o consumo ou ainda na matéria-prima (o chamado princípio ativo) – que é manipulada em estabelecimentos clandestinos, sem a menor condição de higiene e geralmente elaborada na dose errada.
As conseqüências das ações dessa máfia bilionária são nefastas. De acordo com os pesquisadores da OMS, a pirataria de substâncias matou cerca de 700 mil pessoas no mundo em 2014 – não há dados específicos para o Brasil. É um problema que aflige governos e fabricantes no mundo todo, principalmente em período de crise econômica. “Como é mais barato, as pessoas acham que estão fazendo um bom negócio ao comprar medicamentos falsos. Não estão. As mortes estão aí para comprovar”, diz Edson Vismona, do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. “É uma burrice consumir remédios ilegais”, afirma Anthony Wong, diretor médico do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Esse é um problema mundial de saúde, incluindo Estados Unidos e Europa, onde a vigilância é muito maior do que aqui.”
Existem três princípios determinantes para o sucesso da indústria de medicamentos falsos: mercado, preço e fiscalização falha. As estatísticas sobre o tamanho desse comércio clandestino mostram que, na última década, a falsificação e comercialização aumentaram 800%. Atualmente, o negócio, que rendeu US$ 200 bilhões em 2014, cresce 13% ao ano. “Às vezes ele é mais rentável do que o tráfico de entorpecentes”, afirma o delegado da polícia federal de São Paulo André Luiz Pre-viato Kodkaoglanian. “São quadrilhas ligadas diretamente às organizações criminosas internacionais.”
Existem cerca de 500 versões de medicamentos piratas em circulação, segundo o documento da OMS. Entre os principais produtos falsificados vendidos no País, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estão os hormônios anabolizantes, os medicamentos para disfunção erétil e os remédios para emagrecer. Mas também circulam fármacos falsos para o coração, hipertensão, malária e antibióticos. A PF explica que a entrada aqui pode se dar de duas formas. A primeira é o contrabando de remédios prontos para o consumo, que chegam pelo Paraguai e são entregues pelos Correios. Um técnico da Anvisa ouvido por ISTOÉ admitiu que os Correios são a porta de entrada e saída do comércio de medicamentos ilegais no Brasil. Segundo o funcionário, o sistema de triagem, principalmente, nas agências terceirizadas, é inoperante. Procurados, os Correios não quiseram falar sobre o assunto.
Outra estratégia é a venda direta da matéria-prima para a fabricação dos produtos nos laboratórios clandestinos. Esses materiais chegam da China e da índia e desembarcam no Aeroporto de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. “Muitos são fabricados em locais clandestinos, sem nenhum controle higiênico e, principalmente, sem o principio ativo na dose certa”, afirma o delegado da Polícia Federal André Kodkaoglanian. Anthony Wong explica que o medicamento falsificado pode ser tóxico, não conter a substância ativa ou não ser fabricado com as regras necessárias. “Alguns remédios contêm apenas a cota mínima do medicamento. Se for de quantidade inferior, não faz efeito. Se for de má qualidade, pode até matar”, afirma Wong. Essa indústria da fraude começa a ser atacada no Brasil. Com atraso de três anos, deve ser promulgada em dezembro a lei que obriga a rastreabilidade dos remédios. A primeira etapa da legislação (RDC 54/2013) prevê a implantação nos próximos três meses de um sistema de acompanhamento digital do caminho que os remédios fazem desde a fabricação até o consumidor final. “Hoje, o controle é completamente falho e sujeito a fraudes”, diz Alejandra Saavedra, do Conselho Federal de Farmácia (CFF). “Investimos mais de R$ 300 milhões em equipamentos para atender à lei. Faltam apenas pequenos detalhes normativos”, diz o representante da Interfarma, Marcelo Liebhardt, que representa as maiores empresas do setor de produção de remédios. De acordo com a legislação, o consumidor final de remédios saberá por meio de um código de barras impresso nas caixas dos produtos farmacêuticos a procedência de todos os medicamentos sujeitos ao registro na Anvisa, inclusive amostras grátis.