Uso de Antibióticos no início da vida pode resultar em problemas de saúde a longo prazo
Fonte: Correio Braziliense
Antes deles, uma simples infecção de pele matava 30% dos pacientes. Nove em cada 10 crianças com meningite não sobreviviam e uma inflamação no ouvido freqüentemente migrava para o cérebro, causando danos irreversíveis. Mas, se os antibióticos revolucionaram a medicina, esses remédios também não estão isentos de riscos. Pesquisas recentes demonstram que o uso dos medicamentos no início da vida pode resultar em problemas de saúde a longo prazo. Além de aumentar a suscetibilidade a algumas doenças, eles estão associados a disfunções metabólicas, incluindo a obesidade.
Em um experimento com ratos recém-nascidos, pesquisadores da Universidade de British Columbia, no Canadá, constataram que o antibiótico, mais tarde, enfraquece o sistema imunológico. “A maior parte das bactérias que vive no nosso aparelho digestivo desempenha um papel positivo na promoção de um sistema imunológico saudável, mas tratamentos antibióticos geralmente não discriminam as bactérias boas das ruins”, observa Kelly McNagny, professor de genética da instituição e principal autor do estudo publicado no Jornal cie Alergia e Imunologia CM nica. “Ao se perturbar essa microbiota no início da vida, mesmo que se interrompa o uso do antibiótico, os efeitos sobre o sistema imunológico serão permanentes observa.
No estudo, ele testou dois antibióticos — vancomicina e estreptomicina — nos ratinhos recém-nascidos. A primeira droga não alterou as estruturas de defesa dos animais. mas a segunda, utilizada principalmente no tratamento da tuberculose, aumentou, mais tarde, o risco de pneumotite de hipersensibilidade, síndrome pulmonar caracterizada por reações alérgicas após a inalação de mofo. bactéria, fungo e substâncias químicas. Quem sofre do problema pode passar mal quando em contato com uma ampla lista de agentes causadores, como ar-condicionado sujo, borracha sintética e queijo mofado, entre outros.
“Os pais se preocupam tanto com crises alérgicas, não deixando seus filhos brincarem com animais domésticos ou evitando a poeira a todo o custo, enquanto o problema pode estar onde menos esperam”, observa. O médico, contudo, destaca a importância de tratar as crianças com antibióticos quando necessário. “Essas drogas salvam vidas, mas prescreve-las em excesso não é uma boa coisa”, alerta. Além disso, esse estudo ressalta a importância de buscar formas de compensar a morte das boas bactérias pelos antibióticos quando o uso dele é realmente necessário.
Para o geneticista, é possível que os probióticos — micro-organismos vivos que promovem o equilíbrio da flora intestinal — consigam desempenhar esse papel. Consumidas em forma de suplementos farmacológicos ou alimentos, como leites fermentados, essas bactérias benéficas poderiam recolonizar o sistema digestivo afetado pelos antibióticos. “A ideia é: se vamos fazer um tratamento com antibióticos, é melhor prescrever um pro-biótico que ajude a proteger o sistema imunológico”, defende. Contudo, McNagny alerta que ainda é preciso investigar se essa estratégia funcionará de fato.
Eczemas
No ano passado, a médica Teresa Tsakok. do Hospital de St. Thomas, em Londres, resolveu investigara associação do uso precoce de antibióticos com o desenvolvimento de outro tipo de alergia, o eczema, a mais comum doença de pele inflamatória, também conhecida como dermatiteatópica. Caracterizado por coceira, bolhas e erupções, o problema causa grande sofrimento às crianças. Tsakok fez uma revisão de 20 estudos anteriores que haviam pesquisado a relação entre a exposição pré e pós-natal aos antibióticos e o desenvolvimento de eczema.
“Encontramos uma associação significativa. No caso da exposição pré-natal, não há evidências, mas quando o uso do antibiótico é feito no primeiro ano de vida. a incidência de eczema é até 40% mais alta”, conta a médica, observando que os medicamentos de amplo espectro são os que mais parecem influenciar o surgimento do problema.
Assim como Kelly McNagny, a médica inglesa acredita que o problema esteja na microflora, que é afetada indiscriminadamente pelos antibióticos de amplo espectro. “Os micro-organismos que colonizam o intestino neonatal estimulam o tecido linfoide gastrointestinal, que contém pelo menos 60% de todos os linfócitos do corpo e desempenha um papel importante no desenvolvimento da imunidade no início da vida. Pode ser. então, que a redução e a alteração da diversidade dessa microflora, especialmente no primeiro ano de vida, afete o sistema imunológico ainda em maturação de maneira a promover o desenvolvimento de doenças alérgicas”, acredita.
Ligação também com a obesidade
A perturbação das bactérias “do bem” por parte dos antibióticos pode explicar ainda a obesidade na infância. Um estudo publicado na revista Cell sugere que a exposição a esses medicamentos nos primeiros estágios do desenvolvimento reprograma permanentemente o metabolismo corporal, originando uma predisposição à doença. A pesquisa do Centro Médico Lan-gone da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, foi feita com ratos ainda na fase fetal. Na última semana da gestação, as fêmeas receberam baixas doses de penicilina, que continuaram a ser aplicadas quando elas ama-mentavam. Mais tarde, os filhotes mostraram-se mais suscetíveis a obesidade e anomalias metabólicas do que ratos que também tiveram contato com antibióticos, mas apenas quando estavam mais velhos.
“Precisamos de mais evidências antes de afirmar que. em humanos, os antibióticos também têm um efeito sobre a obesidade e não estamos dizendo para os médicos pararem de prescrever esse remédio para crianças quando eles são necessários”, ressalta George Singer, diretor do Programa do Microbioma Humano da universidade. No caso dos roedores, contudo, a associação encontrada foi bastante convincente.
Aqueles tratados com baixas doses de penicilina cresceram mais pesados que os do grupo de controle, ainda que a alimentação de alto teor de gordura fosse igual para ambos. “Quando colocamos um rato numa dieta de muitas calorias, ele fica gordo. Quando o rato recebe antibióticos, ele fica gordo. Mas, quando o colocamos na dieta de muitas calorias e aplicamos antibióticos, ele fica muito, mas muito gordo”, conta Singer. “Quanto mais cedo na vida eles têm contato com antibióticos, mais vulneráveis ficam do ponto de vista metabólico”, complementa o biólogo.