Estudos questionam banalização de cirurgia facial
Por: CLÁUDIA COLLUCCI
Fonte: Folha de S.Paulo
Cirurgias que corrigem a posição de dentes e ossos faciais, chamadas buco-maxilo-faciais ou ortognáticas, têm sido alvo de polêmica tanto por indicações desnecessárias quanto pelo preço, que chega a R$ 700 mil
Cirurgias que corrigem a posição de dentes e ossos faciais, chamadas buco-maxilo-faciais ou ortognáticas, têm sido alvo de polêmica tanto por indicações desnecessárias quanto pelo preço, que chega a R$ 700 mil.
A pedido de planos de saúde, o Hospital Albert Einstein criou um programa que oferece segunda opinião sobre o procedimento. Os primeiros resultados impressionam: de 34 casos analisados, só 29% tinham indicação cirúrgica.
Normalmente, a cirurgia corrige ao mesmo tempo a estética (quando o queixo é muito para frente) e função (mastigação, por exemplo).
Nos últimos anos, porém, vem crescendo a indicação cirúrgica para a apneia do sono a interrupção da respiração por um período superior a dez segundos.
São esses os casos mais controversos e que têm sido avaliados pelo Einstein.
Uma diretriz norte-americana, por exemplo, mostra que a cirurgia buco-maxilo-facial só deve ser feita quando a apneia for severa e o paciente não aderiu ao CPAP, uma pequena máquina semelhante a um compressor de ar que fornece fluxo de ar de forma contínua.
Outra revisão da Cochrane (rede de cientistas que avalia a efetividade de tratamentos) diz que falta evidência sobre uma maior efetividade ou não da cirurgia ortognática para apneia do sono. O artigo chama atenção para a alta taxa de complicações, de 22%. Entre elas, infecções e necessidade de reoperação.
Foi o que aconteceu com a administradora Fabiana, 50. Entre 2009 e 2011, ela fez três cirurgias ortognáticas para corrigir a arcada dentária e melhorar a apneia do sono. Mas elas não funcionaram.
“Meus dentes continuam tortos, o ronco piorou, tenho dores no maxilar e fiquei sem sensibilidade em algumas partes do rosto”, conta.
Segundo Miguel Cendoroglo Neto, diretor do Einstein, além das complicações, a cirurgia, quando mal indicada, não livra a pessoa do ronco.
“A cirurgia não é 100% eficaz. Frequentemente o paciente continua roncando e precisando do CPAP”, diz ele.
Mario Ferretti, professor de ortopedia e traumatologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e que coordena o programa do Einstein, explica que não adianta fazer a cirurgia se o paciente continuar com os problemas que interferem na respiração.
“Paciente obeso ou que usa muito sedativo para dormir ou que ingere muito álcool vai continuar roncando mesmo depois da cirurgia.”
Claudio Miyake, presidente do Crosp (Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo), defende, nos casos de apneia, uma atuação multidisciplinar.
“Só o cirurgião buco-maxilo-facial pode não resolver. Mas há muitos trabalhos mostrando que ampliação do formato das arcadas dentárias libera as vias aéreas e resolve casos de apneia.”
PREÇOS
Outra polêmica envolvendo as cirurgias buco-maxilo-faciais é o preço, que ultrapassa R$ 150 mil só com material (pinos e placas de titânio). Assim como outros procedimentos que envolvem a colocação próteses (cirurgias de coluna e de quadril, por exemplo), elas são alvo de uma investigação dos ministérios da Saúde e da Justiça.
Segundo Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), há casos extremos em que o orçamento de uma cirurgia ortognática ficou em R$ 700 mil. “Quem fornecia a prótese era o pai do cirurgião que indicou a cirurgia”, conta. Ele não quis dar mais informações porque o caso está sob investigação policial.
No site do Tribunal de Justiça do Estado, a Folha encontrou 1.497 processos de pacientes que tiveram cirurgia negada pelos convênios. Na maioria dos casos, a decisão é favorável ao paciente.
Para evitar brigas judiciais, uma câmara técnica do Crosp tem servido de árbitro entre cirurgiões dentistas (que fazem cirurgias ortognáticas) e os planos de saúde.
Segundo Claudio Miyake, só no segundo semestre de 2014 foram mais de 50 pedidos de arbitragem. A maioria sobre o material a ser usado o cirurgião, em geral, quer materiais mais caros. Miyake afirma que, além da evidência científica, a câmara leva em conta a conduta ética de profissionais e operadoras.