Novos horizontes na assistência à saúde
Por: Renato Nunes e Tereza Gutierrez
Fonte: Valo Econômico
Uma entidade estrangeira, agora, poderá ser sócia ou acionista, por exemplo, de um hospital brasileiro, poderá até ser controladora, detendo participação que lhe assegure poder para dirigir as atividades da sociedade e orientar a sua gestão
As possibilidades de participação de capital estrangeiro no setor de assistência à saúde eram bastante restritas até a publicação, no dia 20 de janeiro, da Lei nº 13.097, que alterou a Lei nº 8.080, de 1990, autorizando, dentre outras coisas, a participação direta ou indireta de capitais estrangeiros em pessoas jurídicas, com vistas a instalar, operacionalizar ou explorar hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada.
Uma entidade estrangeira, agora, poderá ser sócia ou acionista, por exemplo, de um hospital brasileiro, poderá até ser controladora, detendo participação que lhe assegure poder para dirigir as atividades da sociedade e orientar a sua gestão.
Além disso, a nova legislação reafirmou a permissão, já prevista na Lei nº 8.080, de participação do capital estrangeiro nos casos de: i) doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos; e ii) serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.
A saúde é tema de reportagens, programas políticos e debates acalorados no dia a dia da sociedade brasileira. Assunto de importância ímpar em nosso país, também é elevado pela Constituição Federal como um direito social de todos os brasileiros e dever do Estado, conforme preveem seus artigos 6º e 196.
O legislador constituinte, ciente dos desafios que se imporiam no cumprimento de tal desígnio, cuidou não somente de criar o Sistema Único de Saúde (SUS) e assegurar fontes de custeio para tanto, como também de franquear a assistência à saúde à iniciativa privada, em caráter suplementar, favorecendo, assim, a maior alocação possível de recursos materiais e humanos para o bom atendimento da população.
Reconhecendo a relevância do papel exercido pelas instituições filantrópicas na assistência à saúde, a Constituição Federal concedeu-lhes um amplo rol de exonerações fiscais sob a forma de imunidades, desde impostos em geral a até Contribuições para Financiamento da Seguridade Social.
A Constituição Federal, nada obstante estabelecer que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, veda a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo nos casos previstos em lei.
Nas lições do professor José Afonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 104), esta norma constitucional seria da modalidade eficácia contida, posto que, nada obstante a sua aplicabilidade plena e imediata, é possível a contenção de sua eficácia, mediante legislação futura, ainda que infraconstitucional.
Há mais de 20 anos existe norma a respeito do tema, veiculada pela Lei 8.080, mas no aspecto que estamos mencionando, praticamente repetia a proibição estabelecida no texto constitucional.
Em relação às operadoras de plano de saúde, também importantes atores no atendimento à população, o legislador infraconstitucional possibilitou-lhes a presença de investimentos estrangeiros, conforme observamos do quanto disposto no § 3º do artigo 1º da Lei nº 9.656/98. Contudo, restringiu a oferta de assistência à saúde por rede própria aos beneficiários vinculados aos planos por elas operados.
Passamos, assim, de um cenário de vedação quase que total à participação estrangeira na assistência à saúde a uma autorização plena, tudo em estrita conformidade com o quanto prescreve a Constituição, inclusive no que se refere às suas normas programáticas relacionadas a tal área.
Esta é uma mudança profunda, importante e há alguns anos aguardada pelos agentes do setor, pois permitirá a captação de recursos de forma menos onerosa, por meio de investimento direto, ao invés de tomada de dívidas, e, talvez até mais relevante, contribuirá com o compartilhamento de práticas de gestão e experiências verificadas em outros países, beneficiando a população.
A prática jurídica brasileira domina os instrumentos e possui a experiência necessária para dar conta dos novos negócios e investimentos que se avizinham, desenvolvendo e implementando estruturas seguras, por meio contratos, providências de ordem societária e cumprimento de obrigações perante os órgãos reguladores. Garantindo-se, assim, tanto a solidez das novas parcerias quanto a observância da legislação competente que, particularmente no setor de saúde, é vasta, complexa e de difícil acesso.
Esperamos que eventual regulamentação da mudança que aqui comentamos, pelo Poder Executivo, não limite as possibilidades introduzidas pela nova legislação, que, repetimos, está em absoluta harmonia com o quanto determina a Constituição brasileira, e mais, vai ao encontro das necessidades e anseios da população.
Renato Nunes e Teresa Gutierrez são sócio e coordenadora da área de Direito da Saúde de Nunes e Sawaya Advogados
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