Proposta de nova resolução pode prejudicar atendimento em UTIs
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) encerra no dia 17 de fevereiro o prazo para contribuições à Consulta Pública nº 753 de 2019. O objetivo é a avaliação de uma proposta de alteração da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 7/2010, que estabelece os requisitos mínimos para o funcionamento das unidades de terapia intensiva (UTIs). A consulta foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 26 de dezembro. As mudanças propostas têm mobilizando diversas instituições da área de saúde preocupadas com o teor do documento, que extingue a previsão de uma equipe mínima necessária ao funcionamento desses serviços.
Nos dias 06 e 07 de janeiro o Grupo de Trabalho Provisório de Farmácia e Terapia Intensiva de CFF se reuniu para elaborar um documento com sugestões para aperfeiçoar o documento proposto pela Anvisa. Participaram do encontro a vice-presidente do CFF, Lenira Costa, a presidente do Departamento de Farmácia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Michelle Nunes, Daiandy da Silva, membro da AMIB e farmacêutica da UTI do Hospital de Clínica de Porto Alegre, e a Helaine Capucho, que é professora da UnB e pesquisadora nas áreas de segurança do paciente e farmacovigilância, representando o GT de Farmácia Hospitalar do CFF.
Michelle Nunes detalha os pontos polêmicos da consulta. Ela explica que o farmacêutico já não estava contemplado como membro essencial da equipe multiprofissional da UTI na RDC nº 7 de 2010. “À época a profissão farmacêutica tinha uma atuação muito tímida nessa área. A presença do farmacêutico na UTI se ampliou e, no ano passado, o CFF aprovou a regulamentação das atribuições dos farmacêuticos clínicos intensivistas”, comenta. No entanto, conforme Michelle Nunes, a proposta da Anvisa não só frustrou as expectativas de mais avanços, como retrocedeu do cenário anterior, que garantia a presença de uma equipe mínima no cuidado intensivo ao paciente. O grupo de trabalho avaliou os resultados negativos que a proposta em consulta poderá trazer à saúde da população, o que resultou em um posicionamento da Farmácia sobre o assunto.
“Foi uma grande surpresa! Nós tivemos que fundamentar melhor o nosso posicionamento em relação a essa consulta pública, para que essa resolução não retroceda, mas se amplie! Que sejam mantidos os profissionais que lá estavam dimensionados, com o acréscimo de outros que hoje já atuam na UTI, como farmacêuticos, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos. Esses também não foram contemplados na primeira versão em 2010 e podem ser contemplados agora”, observa.
Entre as solicitações feitas pelo grupo está a de que seja inserido na equipe mínima um farmacêutico para até 15 pacientes ou fração em todos os turnos, que é o quantitativo determinado na resolução 675 de 2019 do CFF. “Nós fizemos essa solicitação de inclusão citando diversos estudos científicos que mostram que o farmacêutico na UTI diminui mortalidade, diminui tempo de internamento, reduz custos em saúde, diminui número de eventos adversos e está associado à melhor qualidade da assistência junto à equipe multiprofissional. Também foram adicionados vários trabalhos mostrando que o atendimento em equipe também está relacionado a melhores desfechos em grandes estudos publicados em revistas de alto fator de impacto.”
Michele Nunes acrescenta que o paciente crítico tem uma particularidade de apresentar processos inflamatórios ativos que provocam edemas e fazem que o volume de distribuição que tem relação com o metabolismo de medicamentos seja alterado, com isso, o efeito de alguns medicamentos pode não ser adequado, se usado na mesma dose utilizada para um paciente não crítico. “Então esses ajustes de dose com base na farmacocinética e farmacodinâmica dos medicamentos, associados às condições fisiopatológicas do paciente crítico que são dramaticamente diferentes de um doente comum, o farmacêutico tem um papel fundamental nessa otimização da terapia medicamentosa, como a gente denomina.
Michelle cita outros retrocessos da proposta relacionados à segurança do paciente. Muitos pontos da resolução não estão diretamente ligados com a atuação do farmacêutico, mas como o CFF tem um compromisso com a saúde da população, esses pontos também estão sendo questionados pelo grupo. O texto da nova resolução determina que o paciente grave ao ser transportado seja acompanhado por um profissional de saúde e não define a formação dele. Também não exige treinamento em urgência e emergência para esse acompanhante, o que a especialista acredita que coloca o paciente em risco. A antiga legislação afirmava que o doente deveria ser assistido por um médico e um enfermeiro durante o deslocamento.
“Se o paciente tiver uma parada cardiorrespiratória e estiver acompanhado por um profissional, esse profissional sozinho não vai conseguir reanimar o paciente. Nós sabemos qual é a nossa realidade no Brasil de dimensionamento de profissionais de saúde nos hospitais. Nas UTIs a situação é um pouco menos caótica porque existe essa resolução que obriga o número mínimo de profissionais”, destaca.
Mobilização – O Grupo de trabalho estimula a contribuição de farmacêuticos à consulta que se encerra no dia 17 de fevereiro. Para isso foram elaboradas instruções para facilitar a participação dos profissionais, que estão disponíveis na página do CFF no Facebook, com acesso por meio da hashtag #FarmacêuticoSIM.
O documento elaborado pela equipe será encaminhado à Anvisa e registrado em formulário da consulta pública. Também será enviado à AMIB, para reforçar a importância de ter o farmacêutico na equipe multiprofissional da UTI. A AMIB JÁ disponibilizou posicionamento alinhado com o do CFF e o Conselho Federal de Medicina (CFM), que emitiu nota sobre o assunto. O CFM ressalta que médicos, enfermeiros e fisioterapeutas plantonistas devem estar disponíveis 24 horas por dia. O Parecer CFM nº 24/19 também destaca a necessidade de outros profissionais para compor a equipe multidisciplinar, como assistente social, farmacêutico, fonoaudiólogo, nutricionista, odontologista e psicólogo. Outras entidades de classe, como de enfermagem e psicologia também estão mobilizadas.
“Tenho esperança na força das instituições para contrapor essa proposta e mudar a realidade pelo posicionamento dos conselhos de classe e das associações, da AMIB e de profissionais que atuam na UTI, como fisioterapia, enfermagem. Todos estão trabalhando arduamente para contra-argumentar”, ressalta Michelle.
Fonte: Comunicação do CFF