Farmacêutica divulga estudo que pode ajudar a melhorar a assistência farmacêutica do SUS
Por: Luiz Perlato
Fonte: CRF-MT
Levantamento mostra que a Política Nacional de Assistência Farmacêutica foi implantada de forma incipiente em Várzea Grande e identifica os problemas.
Dez anos após a sua criação, a Política Nacional de Assistência Farmacêutica ainda não foi implantada de forma satisfatória em Várzea Grande-MT, que, pelos dados do último censo do IBGE, é o segundo maior município de Mato Grosso em densidade demográfica.
É o que aponta um estudo da farmacêutica Kelli Carneiro de Freitas Nakata, desenvolvido com o objetivo de avaliar a acessibilidade a medicamentos essenciais na rede de serviços pertencentes ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Trata-se de uma dissertação de mestrado que teve a supervisão da professora do corpo permanente do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ligia Maria Vieira da Silva. A pesquisa foi realizada em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso, onde a autora é Servidora e também atua como vice-presidente da Comissão Permanente de Farmácia e Terapêutica/SES/MT.
Problemas identificados
O levantamento mostrou que a Política Nacional de Assistência Farmacêutica está implantado de forma incipiente (34,7%) no município estudado. Foram encontrados problemas em todos os componentes do ciclo de Assistência Farmacêutica. Apenas a acessibilidade geográfica foi classificada como avançada (89,5%).
No tocante à seleção de medicamentos, no momento da coleta de dados, o município conta com uma lista elaborada sem critérios explícitos, desconhecida pelos profissionais e sem protocolos clínicos de utilização padronizados, visto que a Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME) encontra-se em fase de elaboração. O município tem tido dificuldades em manter a regularidade do abastecimento das unidades com medicamentos o que pode ser decorrente da falta de REMUME e de programação e de controle de estoque.
Várzea Grande, até o momento da finalização da pesquisa, não tinha investido em instrumentos para o controle do estoque, nem utilizado critérios técnicos na atividade de programação, tais como situação de saúde local, perfil de doenças da população, metas de oferta e cobertura de serviços, e disponibilidade orçamentária e financeira, o que pode ter afastado a programação do município das necessidades dos usuários da rede de saúde.
No que se refere ao armazenamento, o município apresentou melhorias nas instalações do almoxarifado central em nove meses, período compreendido entre a realização da avaliabilidade e a coleta de dados. Porém, a maioria das unidades possui estrutura física deficiente. A falta de local apropriado para o exercício da atenção farmacêutica e ausência do próprio profissional farmacêutico em todas as unidades comprometem a qualidade e efetividade do atendimento ao usuário no município estudado.
“As principais limitações do presente estudo relacionam-se com a representatividade da amostra de usuários, que foi intencional e não probabilística. Contudo, para fins da tomada de decisão dos gestores em relação ao aperfeiçoamento da Política da Assistência Farmacêutica no município, avaliações com a metodologia aqui apresentada são suficientes e podem ser realizadas em tempo hábil e com os recursos humanos do município. A matriz aqui utilizada poderá ser adaptada e submetida a novos consensos com vistas a aumentar a comparabilidade entre avaliações da acessibilidade a Assistência Farmacêutica nos seus diversos componentes”, diz o artigo científico.
Com base nesses resultados, as autoras fazem recomendações para o aperfeiçoamento dos critérios avaliados como incipientes, principalmente no que diz respeito aos componentes da acessibilidade organizacional. Registram ainda que a superação dos obstáculos encontrados relaciona-se não apenas com medidas específicas referentes à Assistência Farmacêutica propriamente dita, mas também com aspectos de ordem mais geral, de organização da atenção à saúde.
O resultado da pesquisa sobre Várzea Grande já foi apresentado ao Conselho Municipal daquele município, bem como ao Conselho Estadual de Saúde e aos Conselhos Regional e Federal de Farmácia.
Para a presidente da Comissão Permanente de Farmácia e Terapêutica de Mato Grosso, farmacêutica Lucí Emilia de Oliveira, é um orgulho muito grande ter uma pessoa de destaque da comissão, apresentando trabalho e lutando pela assistência farmacêutica dentro do Estado de Mato Grosso. Segundo ela, a dificuldade do acesso aos medicamentos é uma questão nacional, e por isso a Comissão vem trabalhando para amenizar o problema em Mato Grosso, lançando mão, por exemplo, de cartilhas como as que foram produzidas em 2014, para garantir o acesso ao conhecimento.
“É importante que os farmacêuticos façam pesquisas, estudem e produzam artigos científicos como este, para nos ajudar em nossa missão de melhorar a acessibilidade à assistência farmacêutica. A gente espera que este trabalho seja utilizado, e foi por isso que pedimos para o CRF-MT divulgar, para que os farmacêuticos e as demais pessoas possam ler, conhecer e modificar a realidade”, disse Lucí, destacando que acredita no SUS e, também, que as pessoas ainda podem melhorar o Sistema.
“Os farmacêuticos em particular devem sempre pesquisar, trabalhar e buscar a informação. Podemos sempre mudar a realidade, basta nos interessarmos. O farmacêutico é uma peça principal nesse processo de transformação, e muitas vezes ele também não é ouvido, não é reconhecido. Mas os farmacêuticos são capazes de modificar o cenário”, concluiu a presidente da Comissão Permanente de Farmácia e Terapêutica de Mato Grosso.
Saiba mais
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população mundial não tem acesso regular aos medicamentos essenciais. Apenas 15% da mesma consomem 90% de toda produção desse insumo, configurando um acesso desigual entre grupos sociais (OMS, 2004). No Brasil, essa situação também tem sido registrada, sendo que cerca de 60% da produção de medicamentos do país beneficia apenas 23% da população (Cosendey et al., 2000).
Entretanto, desde a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 e o advento do Sistema Único de Saúde – SUS, diversas iniciativas voltadas para assegurar e promover o acesso da população a medicamentos foram publicadas, dentre outras, a Política Nacional de Medicamentos (PNM) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) (Brasil, 1998; Brasil, 2004), bem como foi promulgada a Lei dos genéricos (Brasil, 1999; SINDUSFARM, 2012).
Além disso, com esse mesmo objetivo de ampliação do acesso, o governo federal instituiu, em 2004, o Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), através da adoção de copagamento (Brasil, 2011; Santos-Pinto et al., 2011).
A avaliação da implantação da Política de Assistência Farmacêutica em municípios brasileiros tem sido realizada com diferentes metodologias, tendo obtido resultados também variados entre estados e municípios investigados. Alguns estudos revelaram a existência de diversos obstáculos de natureza estrutural e financeira que comprometem o acesso dos usuários aos medicamentos. Outra investigação concluiu que a estrutura organizacional da Assistência Farmacêutica (AF) não proporcionava a integração das informações técnicas e operacionais, o que resultava em fragmentações das atividades do ciclo da AF, ocasionando falta de medicamentos e desorganização dos processos de trabalho.