8 Congresso: Diante da crise, é preciso revolucionar as práticas
Por: por Renata Mielli, de Cuiabá
Fonte: Fenafar
O 8º Congresso da Fenafar começou com uma reflexão profunda do cenário político nacional e internacional, e o papel do trabalho no enfrentamento da crise política e econômica.
Os convidados para debater o tema foram o jornalista Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, a professora Madalena Guasco, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino – Contee e o dentista Mauro Rubem, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Goiás. O vice-presidente da Fenafar, Rilke Novato coordenaou o debate.
A partir de abordagens distintas sobre o atual cenário político, um consenso fundamental ficou explícito e condicionou, de certo modo, todas as análises: a de que “o quadro é de muitas incertezas e tensão no mundo, na América Latina e no Brasil. Vivemos um momento de mais dúvidas que certezas, daí a importância de parar e refletir’, afirmou Altamiro Borges no início de sua intervenção.
Miro, que foi o primeiro a falar, foi taxativo ao dizer que diante deste quadro é imperativo “mudar os nossos hábitos e posturas dentro do movimento sindical e lutar muito mais. Quem estiver na mesmice, do dia após o outro, tem que parar. O quadro não está fácil. É preciso revolucionar as práticas”.
Crise sistêmica e prolongada
Ao descrever a grave situação econômica internacional, o jornalista destacou que se trata de uma crise sistêmica do capitalismo, de longa duração, que atinge o conjunto dos países, não apenas os periféricos, mas os pólos dinâmicos do sistema, como Japão, Estados Unidos, e a Europa. Ele destacou que uma das principais consequências da crise é o ataque aos direitos sociais e trabalhistas.
Para ilustrar esse ataque, Miro citou os índices históricos de arrocho salarial e de desemprego nos EUA, e o corte linear de salários da Grécia da ordem de 25%, o mesmo ocorrendo na Espanha, Itália e Alemanha.
Neste cenário se deu um fenômeno chamado por muitos economistas de “desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo – enquanto algumas potências entraram em declínio, países emergiram, com destaque para os que compõem os BRIC’s, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esses países cresceram em taxas econômicas razoáveis, chegamos a ter no Brasil um PIB de 7,4%. Eles se articularam, criaram um Banco, e tomaram iniciativas para aumentar a sua integração, mas agora também são atingidos pela crise”, alertou Miro.
Ele explicou que para escapar da crise, esses países adotaram políticas anticíclicas – medidas para estimular o mercado interno – como a administração de preços de energia, petróleo; desoneração de impostos – 56 setores da economia tiveram seus impostos reduzidos. Medidas que na crise podem manter a economia em funcionamento. “Só que isso cobrou o seu preço e gerou problemas fiscais. Se a crise fosse rápida daria para navegar – mas como a crise é prolongada o governo precisou adotar medidas de ajustes, que acabaram recaindo para os trabalhadores”, disse.
O ovo da serpente fascista choca
Altamiro BorgesAltamiro BorgesEsse quadro econômico, de acordo com Altamiro, “gera manifestações políticas. Citando Gramsci, o velho não morreu e o novo ainda não se consolidou. Nestes períodos históricos algumas coisas assustadoras aparecem. Estamos vivendo extremos. Na Europa reaparece o neofacismo, manifestações de preconceito anti-imigrantes, porque os imigrantes estão atrapalhando o seu emprego. Ou seja, o ovo da serpente fascista choca. Nós estamos vendo isso em vários países da Europa, nos EUA, e também na América Latina. Ao mesmo tempo, há a resistência a esta ofensiva do capital, com explosão de revoltas sociais que se consolidaram como alternativas de poder, como o Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia”.
“Mesmo neste cenário de alternativa a vida não tá fácil…. O Syriza ganhou a eleição na Grécia e vem a Troika e impõe um acordo de austeridade fiscal. Para se contrapor o governo faz um plebiscito que rejeita o pacote de austeridade. Ai, vem a Merkel [presidenta da Alemanha] e vai para cima da Grécia, gerando um estado de líquidez na economia grega, com os bancos fechando. É a chantagem do capital, é a ditadura dos banqueiros. Mesmo com apoio popular, com um plebiscito dizendo não à austeridade, diante da chantagem econômica o governo se viu obrigado a ir para a televisão e dizer que não dá para resistir e que precisa assinar um acordo. A Grécia está vendendo ilhas, patrimônio físico, estuda a venda do Paternon”, informou Miro.
Integração irrita a elite e o imperialismo
A professora Madalena Guasco destacou, como a política de integração latino-americana feita pelos governos “irritou” a elite brasileira e os Estados Unidos. “A aproximação do Brasil dos países aqui da América Latina, com o fortalecimento do Mercosul, com troca de elementos de desenvolvimento de um país para outro, isso irritou o imperialismo norte-americano que não tem interesse em que a América Latina se fortaleça como região e atue com soberania. Irritou também uma elite brasileira que odeia o fato de sermos latino-americanos e de não sermos europeus. Irrita porque essa política de desenvolvimento social interno, usando o Estado como indutor, trouxe direitos sociais que sempre foram negados historicamente no Brasil e nos países vizinhos. Isso irrita a elite brasileira e internacional”.
E no Brasil o impacto também é profundo
Altamiro Borges também se referiu ao cenário político nacional. Para ele, “a eleição de 2014 mostrou o esgotamento de um ciclo político no país – iniciado com a vitória de Lula – que mudou a linha de atuação do país sem ruptura, fazendo um condomínio de classes, no qual o Lula era o síndico. Uma projeto que estimulou o mercado interno, enfrentou a miséria, estabeleceu relações mais democráticas com o movimento social, uma política externa mais ativa e altiva, e que nesta onda de crescimento da economia permitiu que se atacassem gravíssimos problemas sociais. Foram incluídas 19 milhões de pessoas no mercado de trabalho, foi dado o direito às pessoas terem refeição, chegou energia elétrica em várias cidades que viviam de lampião, tudo isso foi uma pequena revolução. O resultado apertadíssmo da eleição, mostrou que o voto foi para evitar um retrocesso na eleição presidencial, mas no Congresso Nacional tomamos um tombo. Parlamentares importantíssimos não foram eleitos. O PT que tinha eleito 94 deputados em 2010, elegeu 50. Em compensação cresceram a bancada da bala, a bancada evangélica e a a bancada do agronegócio. A direita cresceu, a ponto de eleger para a presidência da Câmara dos Deputados, um lobista chamado Eduardo Cunha, que defende o dia do orgulho hetéro, a redução da maioridade penal, um representante da direita orgânica no Brasil”.
Na sua avaliação, “não estamos vivendo no Brasil apenas uma retomada das ideias neoliberais de desmonte do trabalho, do Estado e da Nação, estamos vivendo uma retomada da onda neofacista. Mas isso teve início a mais tempo e que agora ganhou mais peso na sociedade”.
Mídia como simulacro
Os palestrantes também fizeram uma crítica profunda à mídia brasileira, que segundo Miro “é o principal partido da direita brasileira. A mídia é a grande força oposicionista, ela que agenda a política e faz a cabeça de milhões de pessoas, porque a mídia são empresas privadas que têm interesses econômicos e políticos.
Madalena GuascoMadalena GuascoMadalena destacou que a mídia atua como simulacro. “Nenhuma mídia consegue fazer simulacro sem base real. O que a mídia faz é não relacionar A com B nas notícias que dá. A mídia não se coloca contra a corrupção, ela se coloca contra a corrupção da Petrobras e do PT. Corrupção tem em todos as esferas da sociedade brasileira. Se eles fizessem a luta contra a corrupção eles teriam questionado o fato de o Congresso Nacional ter votado uma reforma política que manteve o financiamento privado de campanha, a principal base da corrupção na política. Eles lutam para minar, sangrar o governo. As explicações são muito rápidas. E nós temos dificuldade de travar esse debate no campo das ideias”.
No Brasil a crise é política e econômica
“Muitos estão polemizando se o Brasil está vivendo uma crise política ou uma crise econômica. Nós estamos vivemos uma crise política e econômica dialeticamente relacionadas”, afirmou a professora Madalena Guasco.
Madalena ressaltou também que é importante reconhecer que uma parte da crise política e econômica é fruto de erros cometidos pelo governo. “A medida que o governo tomou para enfrentar a crise econômica é a pior, porque vai levar a recessão e ao desemprego. O governo também tem dificuldade de articular a sua base e de conversar com o movimento social. Aquela atitude que o governo Lula tinha de conversar com os movimentos sociais foi abandonada. O movimento sindical nacional ficou sabendo das medidas impopulares pelo noticiário e isso traz um problema político, porque fortalece justamente as forças conservadoras e ai nós ficamos numa defensiva”.
Para o presidente da CUT-GO, Mauro Ruben, é fundamental analisar os erros que foram cometidos neste período. “Não podíamos esperar que o governo fizesse o papel dos movimentos sociais, mas esperávamos que o governo tivesse cumprido melhor o seu papel de fazer uma debate político na sociedade. Não construímos um núcleo, um pensamento crítico. Nós criamos uma grande massa de incluídos”, mas para ele foi um erro não ter discutido com a sociedade o sentido destes programas, colocando-os como “programas republicanos, ignorando a luta de classes”.
A presidente da Contee alertou para um problema que precisa ser considerado quando avaliamos a atuação do movimento sindical nesta conjuntura. Na sua avaliação, estamos vivendo um umomento de defensiva, “mas a defensiva que vivemos hoje é diferente da defensiva que viviámos na época do FHC. Aquela era uma defensiva no contexto de resistência à aplicação de um projeto neoliberal. Hoje nós estamos na defensiva numa crise mundial do capitalismo e contra uma crise econômica no âmbito de um projeto que nós ajudamos a construir, é uma defensiva de outra qualidade. Porque se não soubermos nos colocar neste debate vamos deixar o capital ganhar, de outro lado também não podemos fazer coro com os setores golpistas”.
O que fazer?
Diante desta crise, de um quadro de incertezas, o que fazer? Como retomar o crescimento? Para a professora Madalena Guasco “temos que estabelecer um diálogo de como ser protagonistas e ao mesmo tempo ter clareza de que não podemos ser objeto de ação da direita e dos facistas. Não é uma situação fácil. Temos que ser protagonistas na hora de ir para a rua, mas temos que ter voz para falar. Nós vamos ser ouvidos como se todas as medidas para enfrentar a crise são recessivas e para retirar direitos dos trabalhadores?”, pergunta.
E ela mesma procura responder dizendo que só tem uma clareza; “temos que defender o que eles querem nos tirar, que é a nossa soberania, temos que defender a Petrobras. Temos que impedir que eles coloquem o Brasil dentro da abertura da OMC, acabando com o papel do Estado. Temos que defender o SUS, que eles querem privatizar, a Educação Pública, que eles querem privatizar. Então, apesar das críticas que eu tenho a atual condução política, a forma de enfrentamento da crise econômica, eu não tenho outra saída a não ser ir para a rua contra o golpe, em defesa do Estado de Direito, em defesa da democracia e por mais direitos”.
Para o presidente da CUT, é o momento de sair às ruas e o próximo encontro marcado é o dia 20 de agosto, por mais direitos e em defesa da democracia.
Na avaliação de Altamiro Borges, os setores da direita estão dividos entre duas tendências, uma que defende o impeachment e outra que quer manter um processo de desistabilização e engessamento da Dilma e o desgaste da esquerda e de outras lideranças, como Lula. “Seja um ou outro cenário, estamos correndo risco de um grande retrocesso. Diante disso, temos que ter uma atividade muito radical, sair da mesmice, não dá para achar que está tudo bem e que eu vou tocando a vida do sindicato. Se houver uma onda regressiva o seu sindicato acabou. A mentalidade só da luta econômica, só da luta da categoria, de só cuidar da máquina do sindicato, essa mentalidade não serve para este momento. Este momento exige muita coragem para enfrentar o debate de ideias, exige colocar o trabalhador nas ruas contra a direita e por avanços nos direitos”, concluiu Miro.